Seguridade Social: História e Evoluação no Direito Brasileiro

Temos visto, nos últimos meses, várias discussões entre o Governo Federal e parlamentares a respeito da necessidade urgente de uma reforma na previdência social.  Já existe, inclusive, uma proposta de reforma em debate na Câmara dos Deputados. Oportunamente publicaremos um texto com as principais alterações (caso a reforma seja aprovada), mas primeiro faz-se necessário entender do que se trata a Previdência Social, a sua origem e finalidade.

De início, precisamos compreender que a Previdência Social, juntamente com a saúde e assistência social, formam a Seguridade Social, prevista no art. 194 da Constituição Federal de 1988, assim definido:

Art. 194, CF/88. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Podemos definir então que a Seguridade Social é um conjunto de ações de caráter integrado entre poder público e população, com o objetivo de fazer frente às situações em que os indivíduos não podem prover o seu próprio sustento, por não ser recomendável ou estar impedido de trabalhar. Vale destacar que a CF/88 foi a primeira a consagrar expressamente o sistema da Seguridade Social, mas desde os tempos do império no Brasil surgiram leis e iniciativas que a desenvolveram.

Faremos a seguir um detalhado histórico deste desenvolvimento da Seguridade no Brasil, desde o seu marco inicial até o resultado atual do sistema, que poderá sofrer a reforma já mencionada anteriormente.

Iniciamos com a Carta Imperial do ano de 1824 como a primeira menção de Seguridade, já que continha previsão na área da saúde pública com os chamados socorros públicos (o princípio das Santas Casas de Misericórdia, ou seja, assistência + saúde). Posteriormente, a primeira Constituição Republicana (no ano de 1891) consagrou a iniciativa de aposentadoria (por invalidez e aos funcionários públicos da nação).

Já em 1919 foi editado o Decreto-legislativo 3.724 que continha proteção nos casos de acidente de trabalho. Quatro anos mais tarde, a chamada Lei Eloy Chaves[i] de 1923 (considerada a primeira lei previdenciária do Brasil), consagrou vários direitos previdenciários aos ferroviários, tais como aposentadoria por invalidez, por tempo de serviço, pensão por morte e assistência médica.

Para gerir este novo sistema, foram instituídas as CAPs (Caixa de Aposentadoria e Pensões), individualizadas em cada empresa e custeada pelos próprios empregados e usuários do sistema ferroviário. Devido à grande rotatividade na época dos trabalhadores dentre as empresas do setor, surgiu a estabilidade decenal, garantindo a permanência e contribuição do empregado com o sistema

Após, já na década de 30, o setor privado passa a se organizar para garantir aos seus membros alguns benefícios sociais, com a primeira ideia de mutualismo (todos os beneficiários empreendem esforços para um bem comum). São criados os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões) que eram geridos não mais pelas empresas, mas pelas categorias profissionais. As contribuições de custeio para manutenção e concessão de benefícios sociais passam a ser tríplice – empregados, empresas e governo.

Na Constituição de 1934, conhecida também como “Constituição Cidadã” (pois consagrou inúmeros direitos sociais), é consolidada a tríplice forma de custeio adotada pelos IAPs. Já na Constituição seguinte (1946), é consolidado o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, custeado pelo empregador. A inovação trazida nesta Carta Magna foi o princípio da preexistência do custeio, presente hoje no art. 195, §5º, CF/88[ii].

A primeira Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) é promulgada em 1960, trazendo uma uniformização legislativa ao unificar o sistema de seguridade brasileiro, contemplando plano único de benefícios e serviços. Apenas em 1966 é feita uma uniformização institucional, quando os vários IAPs que existiam são extintos e centralizados em um órgão único criado, o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS).

Em 1977 é criado o primeiro sistema de Seguridade Social, o chamado SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), abrangendo os três âmbitos de atuação presentes no art. 194 da atual CF e criando um órgão para cada: na saúde, o INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social); na assistência social, a fundação LBA (Legião Brasileira de Assistência); na previdência social, o próprio INPS permaneceu, mas cuidando agora apenas dos benefícios.

Para o custeio, fiscalização e cobrança das contribuições neste novo sistema foi criado o IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência Social). Como curiosidade, destacamos também a criação da DATAPREV, empresa de tecnologia responsável pelo processamento de informações e realização de pesquisas em matéria de seguridade social.

Passamos brevemente pelo ano de 1988 para ressaltarmos a consolidação do sistema de Seguridade Social na nossa Constituição vigente, no Capítulo II do Título VIII (arts. 194 a 204). Dois anos após, o INPS e o IAPAS se fundem em um só órgão, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), trazendo as suas atribuições, ou seja, o INSS passou a gerir a arrecadação das contribuições (feitas pelo IAPAS) e a concessão dos benefícios (feita pelo INPS). Neste mesmo ano de 1990 vale também mencionarmos a criação do SUS (Sistema Único de Saúde, instituído pela Lei 8.080/90[iii]).

No ano seguinte, são editadas as Leis 8.212/91[iv] e 8.213/91[v], que regulam respectivamente o plano de custeio da seguridade social e do plano de benefícios da previdência. Em 1993 é promulgada a Lei 8.742 que trata sobre a Assistência Social (conhecida como LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social). No mesmo ano é extinto o INAMPS, tranferindo para o SUS a atribuição de suas funções. Já em 1995 é a vez da extinção da LBA e suas funções passam a ser do INSS.

Por fim, o atual Regulamento da Previdência Social (RPS) é promulgado pelo Decreto 3048 no ano de 1999. Algumas mudanças pontuais ocorreram até o presente sistema em curso, mas a que merece destaque foi a trazida pela Lei 11.457/07[vi].

A partir desta lei, a Secretaria da Receita Federal passa a ser responsável pela arrecadação, fiscalização, lançamento e normatização de todas as contribuições previdenciárias, cabendo ao INSS apenas cuidar da concessão dos benefícios, como outrora fazia o extinto INPS.

 

[i] Decreto Lei 4.682/23, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/dpl4682.htm>

[ii] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…) §5º – Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

[iii] Lei 8.080/90 Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>

[iv] Lei 8.212/91 Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>

[v] Lei 8.213/91 Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>

[vi] Lei 11.457/07 Dispõe sobre a Administração Tributária Federal e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11457.htm>

Publicado por Felipe de Azevedo, sócio do escritório Feriane, Faccim & Azevedo Advocacia.

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