NEGATIVAÇÃO INDEVIDA E O DANO MORAL
1 – REALIDADE ATUAL
Muitas pessoas passam por esse problema atualmente. Algumas realmente tiveram dificuldades financeiras, que culminaram com o nome inserido nos órgãos de restrição ao crédito em algum momento, todavia, a negativação não foi retirada mesmo após o pagamento e, outras sequer efetuaram as compras que supostamente geraram a divida.
Uma pessoa que tem seu nome sujo, ou seja, inserido em cadastros como Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro de Inadimplência (Cadin), Serasa, SCPC, SCR – Sistema de Informação de Crédito do Banco Central do Brasil (SISBACEN), por exemplo, que são bancos de dados, internos ou externos, que armazenam informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protesto de título, ações judiciais, cheques sem fundos, etc, terão restrições financeiras dificultando a concessão de créditos.
Os nomes podem ficar inscritos nos cadastros externos por um período máximo de cinco anos, desde que a pessoa não deixe de pagar outras dívidas no período. Todavia, seus nomes permanecem nos cadastros internos, onde somente os bancos possuem acesso, que, diga-se de passagem, é uma prática ilegal, mas isso é tema para outra matéria futura.
A verdade é que o crescimento acelerado de algumas empresas, não foi acompanhado por todos os setores de gestão, ocasionando diversos erros humanos ou sistêmicos, fazendo com que as devidas baixas dos pagamentos não sejam realizadas nos sistemas internos de controle, e, por outras vezes, inserindo incorretamente o nome de pessoas que nada tinham a ver com as cobranças.
Essas falhas nas prestações dos serviços causam inquestionavelmente transtornos, aborrecimentos, situações vexatórias ou até mesmo danos materiais, danos emergentes, lucros cessantes e, obviamente, danos morais à dignidade da pessoa.
2 – DANO IN RE IPSA
Atualmente esse tema é considerado de entendimento pacífico em nossos tribunais, sendo inclusive consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) como dano presumido ou do latim, dano in re ipsa, que significa “da própria coisa”, que surge de um fato, é presumido e inexoravelmente independe de comprovação.
Casos de dano in re ipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Uma dessas hipóteses é justamente o dano causado pela inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes.
No STJ, é consolidado o entendimento de que “a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos” (Ag 1.379.761 – REsp 1.059.663), no julgamento, ficou decidido que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa jurídica.
Com o reconhecimento de que houve o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o fato danoso, se faz mister analisarmos o aspecto do quantum indenizatório a ser fixado, não só para efeitos ressarcimento, mas também sob o cunho de caráter punitivo, preventivo e pedagógico, aspectos esses que serão tratados em outra matéria.
3 – QUANTUM INDENIZATÓRIO
E essa indenização que se pretende em decorrência dos danos morais, há de ser arbitrada, mediante estimativa prudente, que possa em parte, compensar o dano moral sofrido, no caso, a súbita surpresa que lhe gerou constrangimentos, de ter seu nome incluído injustamente no serviço de proteção ao crédito.
Com relação à questão do valor da indenização pedimos permissa vênia para trazer à colação alguns entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça à respeito da matéria:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECUSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTE. DANO MORAL PRESUMIDO. IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL. SÚMULA 7/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL A PARTIR DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento uniforme no sentido de que a inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado a própria existência do ato ilícito, cujos resultados são presumidos. 2. A quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) não se mostra exorbitante, o que afasta a necessidade de intervenção desta Corte Superior. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Os juros de mora são devidos a partir do evento danoso, conforme enunciado da Súmula 54/STJ. 4. Agravo não provido.[1]
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NOS SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. COMUNICAÇÃO PRÉVIA. ERRO NO ENDEREÇO DO DEVEDOR. CONDENAÇÃO DO CREDOR E DO ARQUIVISTA. NÃO IDENTIFICAÇÃO SE HOUVE ERRO NO FORNECIMENTO DO ENDEREÇO PELO CREDOR OU NO ENDEREÇAMENTO PELO ARQUIVISTA. QUANTUM INDENIZATÓRIOS FIXADO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). RAZOABILIDADE. 1.- “A notificação prévia de que trata o art. 43 , § 2º , do CDC , considera-se cumprida pelo órgão de manutenção do cadastro com o simples envio da correspondência ao endereço fornecido pelo credor” (AgRg no AREsp 245.667/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe 23/04/2013). 2.- Assim, é responsabilidade do arquivista o simples envio da notificação, entretanto, corretamente para o endereço fornecido pelo credor. 3.- É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso concreto. 4.- Agravo regimental improvido.[2]
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. REDUÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. RAZOABILIDADE. JUROS DE MORA 2. In casu, revela-se exorbitante a condenação imposta ao recorrente, a título de danos morais, no patamar de R$ 80.548,00, pela indevida inscrição do nome da parte recorrida em cadastro de proteção ao crédito, sendo razoável a redução do montante para R$ 10.000,00, na linha da jurisprudência desta Corte em casos análogos.[3]
RESPONSABILIDADE CIVIL. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DA CLIENTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL PRESUMIDO. VALOR DA REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DO QUANTUM . I – O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. III – Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, não ocorreu, distanciando-se o quantum arbitrado da razoabilidade. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, reduzindo o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizados monetariamente a partir da data deste julgamento.[4]
O dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Pela dimensão do fato, é impossível não imaginar que em determinados casos que o prejuízo aconteceu.
A respeito disso, o doutrinador Yussef Said[5] aduz que “O dano moral é presumido e, desde que verificado o pressuposto da culpabilidade, impõe-se a reparação em favor do ofendido”.
4 – TUTELA DE URGÊNCIA
Casos em que são verificadas a negativação indevida, preenchem os requisitos necessários para concessão de medidas urgentes, previstas no Novo Código de Processo Civil em seu art. 300 que dispõe sobre a tutela de urgência, in verbis:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Portanto, demonstrada negativação com extratos emitidos pelos órgãos de proteção, evidencia de que a inserção é indevida, como por exemplo um comprovante de que a dívida está paga, comprova-se a probabilidade do direito, a própria manutenção em si é danosa, justificando a concessão da tutela de urgência, haja vista que se esperar até o final do processo, não se haverá resultado útil, com a perpetuação da ilegalidade no tempo e, não há, qualquer perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, pois constatando-se que a antecipação foi equivocada, o juiz pode a qualquer momento rever sua decisão, com a retomada da restrição.
Entende-se por probabilidade do direito o fumus boni iuris, ou seja, o Novo CPC, não traz mais a necessidade da prova inequívoca e verossimilhança da alegação, com prova substancial, robusta, hábil a convencer o Juiz sobre as alegações, sendo possível o deferimento da tutela apenas com a probabilidade.
O perigo de dano ou periculum in mora pode acarretar ao lesado ainda mais danos, constrangimentos e situações vexatórias.
5 – CONCLUSÃO
Podemos concluir com esse estudo que a Negativação Indevida é uma realidade atual, que vem ocorrendo com frequência entre consumidores e até pessoas jurídicas. Para solucionar a questão os tribunais pátrios possuem entendimentos alinhavados com o STJ no sentido que é preciso conceder a tutela de urgência sob pena de risco ao resultado útil do processo, bem como julgar procedente os pedidos indenizatórios sem que haja a necessidade de se comprovar o dano, ante a sua caraterística presumível.
Publicado em 06 de novembro de 2017, por Israel Feriane, sócio do escritório Feriane, Faccim & Azevedo Advocacia.
REFERÊNCIAS
[1] STJ – AgRg no AREsp: 346089 PR 2013/0154007-5, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 03/09/2013.
[2] STJ – Agrg no AREsp 199909 SC 2012/0141385-1, Rel Minstro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 01/08/2013.
[3] STJ – REsp 680.207/PA, Rel. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª REGIÃO), Quarta Turma, DJe 03/11/2008.
[4] STJ – Resp nº 1.105.974 – BA (2008⁄0260489-7), Relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, data de publicação: 13/05/2009.
[5] Yussef Said Cahali, in Dano e sua indenização, p. 90, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980.